terça-feira, 18 de janeiro de 2011

"Que a liberdade seja a nossa própria substância."*



Nascer, estudar, namorar, trabalhar, casar, ter filhos, morrer. Essa era a ordem natural da vida p'ra mim, até os 16 anos, quando percebi que eu não conseguia me enquadrar. Sempre tive um sentimento crônico de inadequação, mas foi na época em que todo mundo esperava pela sua alma gêmea que a sensação se concretizou. Como adaptar-me àquele modelo pré-estabelecido incontestável de relacionamentos?

Ainda não sabia que existiam outras pessoas que se sentiam como eu, que negavam-se a abrir mão de sua liberdade. Eu me achava anormal e tentava me enquadrar. Acabava magoando as pessoas, descumprindo contratos. Tentava entender o porquê de serem estabelecidos relacionamentos exclusivos, mas nenhum argumento parecia lógico. Tudo soava como egoísmo e possessividade. Eu queria amor.

Acabei por descobrir que havia casais que viviam "relacionamentos livres". Aprendi as diferenças entre poliamor, amor livre e relacionamento aberto. Entendi seus princípios e logo me encantei. Era aquilo que eu queria para mim.

Fomos condicionados a acreditar no amor romântico. Nos doutrinaram a buscar nossa metade e, por isso, nos sentimos vazios, sem perceber que já somos completos. Depositamos a responsabilidade de nossa felicidade nx outrx, obrigamos que encorporem um personagem idealizado, que finjam sentimentos. "Como assim você não sente ciúmes?"

Em um relacionamento baseado no padrão vigente, ambos inventam personagens, atribuindo características “idealizadas”, não verdadeiras. Abdica-se de coisas importantes, de amigos e programas separados, porque nos ensinaram que umx companheirx supre todas as nossas necessidades. Abre-se mão da própria personalidade. Acredita-se na grande mentira de duas pessoas tornarem-se uma só. Ter um par virou pré-requisito p’ra ser feliz.

Traição é mentir. É enganar, ser desleal. É armar, planejar, ludibriar. Então por que se considera que ter relacionamentos extraconjugais é traição? Porque se descumpre um contrato pré-estabelecido de exclusividade.

Mas será que o problema está nos relacionamentos ou no contrato? Para mim, o erro está no pacto de monogamia.

Alguém realmente acredita que se pode passar, sei lá, 30 anos com a mesma pessoa sentindo tesão por ela? Aliás, e se o tesão pelx parceirx acabar mas o amor, o companheirismo e o respeito permanecerem? Deve-se abrir mão de uma vida sexual ativa, enganar a pessoa por quem temos tanta consideração ou, ainda, abandonar essa companhia que nos faz tão bem?

Quando estou com alguém, estou pelo prazer que a companhia dela me proporciona. O que importa o que tal pessoa está fazendo quando não está comigo? Individualidade é indispensável.

O que mantém um bom relacionamento não é a exclusividade e sim ter amor, respeito, admiração, interesses em comum, bom diálogo. Mas também é necessário que se tenha liberdade para momentos de lazer em separado.

As pessoas tornam relacionamentos, que deveriam ser agradáveis, em conjuntos de regras, normas, cobranças. Têm que seguir um padrão, obedecer a um modelo, abrir mão de certos prazeres por puro egoísmo da outra parte. O que deveria importar é ser amadx desejadx e respeitadx.

É absurdo termos nossa liberdade cerceada e nossa individualidade desrespeitada. É isso que tanto se idealiza e espera?

Por muito tempo a mulher aceitou a infidelidade masculina como algo natural. As mulheres reprimiam seus desejos porque tinham medo de engravidar, pois na socidade patriarcal é impensável que um homem deixe herança a um filho que não é seu.

A pílula permitiu que as mulheres se libertem. Mas muitos ainda estão presos ao machismo, à idéia do ideal da masculinidade, onde o macho deve transar com todas as mulheres, ser bom de cama, viril, insaciável. E, principalmente, tem que suprir todas as necessidades femininas. Se a mulher procura outrx, ele sente que falhou, que deixou a desejar. Já é hora de nos desprendermos desses conceitos machistas.

Várias pessoas assumem ter desejo por outras. Questiono os motivos de serem contra relacionamentos abertos. A resposta? Não querem que x parceirx tenha outrx. Que imenso egoísmo...

Contestar a monogamia causa choque, mas vemos de forma tão natural os inúmeros casos de infidelidade. Se monogamia é a regra, por que boa parte das pessoas é infiél?

Não se mente a quem se ama. Quero sinceridade, quero me permitir ser sincera. Se alguém não agüenta a minha verdade, não está pronto para o meu amor. Quem me amar não exigirá que eu ceda a esse convencionalismo comportado hipócrita. Não me enquadro nessa fidelidade egoísta das convenções sociais.

Quero uma pessoa que me acrescente algo, que me faça evoluir, aprender. E quantas pessoas maravilhosas existem prontas para ensinar algo que nunca imaginei, que me tornará muito melhor? Me parece burrice limitar-me a uma só pessoa, impedindo meu próprio crescimento. E tenho direito de privar outras pessoas dessa maravilha da diversidade?

Amor é doação, não é possessividade. Não sou um objeto para pertencer a alguém. Se uma pessoa deseja controlar meus desejos, meus atos, meus pensamentos, ela não me ama de verdade. Amar é querer a felicidade e não existe felicidade onde falta liberdade.

É fantástica a idéia de ter liberdade e estabilidade, ter vários relacionamentos mas ter compromisso. Para isso, precisa-se cumprir uma ética de liberdade e de responsabilidade. Transparência é imprescindível.

Me recuso a negar meus desejos, a ser escrava de rótulos. Não aceito que limitem meus sentimentos. Não quero a fidelidade hipócrita, quero a lealdade. Quero a sinceridade plena, a honestidade. Isso é respeitar. Não coloco algemas em corações, não prendo pessoas. Não estou disposta a ser presa. Não cultivo sentimentos mesquinhos.

Quem ama, permanece, não precisa de prisão. Quem quer partir, que vá. É livre para voar. Amor é um sentimento nobre, não deve ser limitado. Amor não é finito, pode ser distribuído. Amar uma pessoa não diminui o amor pela outra. Amor se multiplica, não se divide.

Me faz feliz ver quem eu amo feliz. Se a realização é amar e ser amado, melhor que isso seja feito ao máximo. Não tenho porque não gostar de quem ama a mesma pessoa que eu. Temos algo em comum, isso devia aproximar. Cada pessoa tem uma personalidade. Não existe alguem melhor, apenas diferente. E eu quero conhecer todas essas diferenças.

O amor não é um jogo ou uma disputa. Não precisa um vencedor, não há adversários. Menos ainda precisa de regras. O relacionamento deve ser inventado ao longo da convivência. As pessoas são diferentes, é inaceitável que se imponha um modelo pré-estabelecido de relacionamento que não leva em conta as verdadeiras vontades pessoais.

Não quero alguém fazendo algo por obrigação, quero que faça por vontade própria, de forma espontânea. Um abraço espontâneo vale muito mais que declarações forçadas.

Não dou satisfação, não provo o que digo, não peço autorização. Sou dona de mim. Não preciso álibis. Não prometo exclusividade, porque me recuso a ser hipócrita. Não repito as cenas vistas em filmes, não torno a minha vida um falso conto de fadas. Não reprimo, não finjo, não disfarço.

Sou a favor da liberdade, da sinceridade e do amor.


*O título é uma frase de Simone de Beauvoir.

Um comentário:

  1. Belo texto! Resumiu muito do que eu penso.

    Beijos

    ps.: sou a Dária, lá do tópico da Blogueiras Feministas.

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