terça-feira, 23 de outubro de 2012

Artificial.

- What's wrong with me?


Tentando ser quem não era, até pareceu apropriado rasgar a carteirinha de feminista, como se houvesse uma. Buscava enquadrar-se tão perfeitamente nos estereótipos de gênero, investindo tempo, dinheiro e energia em um penteado escandaloso, em uma maquiagem gritante, em unhas de não deixar dondoca nenhuma passar vergonha, em um vestido da moda - nem puta nem santa, diriam elas -, com direito a cabelo e cílios (e sonhos) falsos, até ficar ridícula parecendo uma boneca pintada com materias escolares por uma criança.
[...]
Levou bastante tempo desfazendo toda aquela artificialidade. Com a maquiagem borrada pelas lágrimas, viu no espelho o reflexo do fracasso. Chorou a madrugada inteira, como nas novelas mais dramáticas, como nos contos-de-fada de princesa sendo enganada, sem achar seu príncipe. [...] viu tudo morrer de uma vez, a angústia apertou seu peito, a decepção pesou em seus ombros, sentiu o coração sangrar. Logo a verdade surgiu brutal, óbvia em frente a seus olhos, colhia o que plantou, de forma que foi dominada pela culpa. A culpa de ter tentado ser quem não era. Quis fingir que não se importou, quis dizer que não se machucou, tentou relembrar só a parte boa, porque dói assumir que, talvez, tenha investido tempo na coisa errada - e não falo do cabelo. Mas sua mente a sabota, faz a verdade gritar e a relembra o porquê de não ter auto-estima...
De que eu falava mesmo? Ah, de sonhos falsos.

terça-feira, 24 de julho de 2012

Variedade.

"E comi os dois."


- (...) se você já ama duas pessoas, até faz sentido. Mas eu não entendo como é que se chega a amar duas pessoas, ou, mais difícil ainda, como é que se fica com outra pessoa por quem sequer é apaixonada. Afinal, se você já está com uma que você ama, eu imagino que você prefira ela do que um desconhecido. Então por que gastar tempo com alguém que você não gosta em vez de estar com aquele que você já sabe que ama?

- Quando eu vou a um rodízio de massas, eu prefiro sempre as pizzas. Mas não é por isso que eu deixo de comer outras massas, e até outras coisas que ofereçam, arroz, salada, sei lá.


- Ah não! Comparar a um rodízio? 


- Porém, não consigo dizer se prefiro pizza ou chocolate, pois são duas coisas completamente diferentes. Ambas me fazem igualmente feliz, cada uma no momento em que mais combina, então é impossível escolher.


- Assim não dá p'ra conversar, você trata esse assunto de forma muito simplória. Vamos mudar de assunto.

- Claro! Que blusa bonita essa sua! 


- Obrigada! É nova!

- Deix'eu fazer uma pergunta: se sua cor preferida é azul, por que você está com essa blusa roxa? Por que gasta seu dinheiro comprando roupas de outras cores em vez de comprar apenas da sua cor preferida? 

- ...

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Desvio.



Era uma magrela desengonçada que não se apegava a nada e nem a ninguém. Não que não amasse, amava muito, mas não sentia que amor algum valesse a sua liberdade e, por isso mesmo, não se importava em deixar tudo p'ra trás em busca de dias -e noites- melhores. Ela não temia o desconhecido, pelo contrário, fascinava-se ante ele. Era independente e corajosa, estava decidida a buscar seus objetivos nada convencionais. Queria abraçar o mundo, formular todas as perguntas e, se sobrasse tempo, desvendar as respostas.

A tal guria achava que nenhum detalhe do planeta poderia ser perdido na curta viagem da vida, cada pequena nuance a encantava. Desesperava-se ao imaginar partir sem conhecer tantas culturas, tantos lugares, toques, olhares... Não, ela não se conformava com os caminhos óbvios, tradicionais. Queria o incomum, o surpreendente.
Porém, em alguma parte da jornada, ela se perdeu e, embora a sede de mundo ainda esteja ali a importunando, não sabe até hoje por onde deixou sua coragem. Não sabe nem quem é. Não sabe nada.

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Racionalidade, aqui me tens de regresso.



Eu não queria transformar este espaço apenas em chororô e exposição pré-adolescente - fase que não superei. Tenho escrito textos sobre outras coisas, mas adio a postagem a fim de elaborá-los melhor. Já esses, escritos no impulso, sobre os quais mudarei de idéia logo no dia seguinte, não podem ser postergados, sob risco de caírem no esquecimento. Afinal, a razão de eles estarem aqui é simples: gosto de, tempos depois, reler e lembrar o que senti por alguns momentos.




E eu me joguei de novo, de cara. Por mais que doa e me faça por vezes infeliz, me faz quase sempre feliz. Me conforta saber que fiz as coisas do meu jeito. E, então, entrou em ação a minha natural e habitual defesa, que me salva de grandes quedas: após deixar o coração gritar, mandar e decidir tudo - enquanto bate em ritmo frenético quase parando na boca -, ao perceber o declínio, passo a racionalizar. E a razão me devolve o equilíbrio emocional. É meio sem graça, reconheço, mas deve ser insalubre passar muito tempo surtando.


É bom respirar em ritmo normal outra vez, ufa.

segunda-feira, 5 de março de 2012

Planos para a madrugada.


Queria ir ali na esquina tomar um café, andar a cidade inteira a pé, curtindo o luar. Queria voltar a ter fé na vida, crushar em uma barba desconhecida, acordar em uma cama esquisita. Queria me jogar pela Lapa, escolher um ponto aleatório no mapa e me perder por aí.

Queria ver um filme com o namorado, terminar aquele livro há quase um ano comprado, sentir o coração vir na boca. Queria dar colo para o meu menino, porque é tão ruim adoecer, dar gargalhadas até amanhecer, dar a reviravolta.

Queria aceitar aquele convite, conhecer uma nova paixonite, chorar ao abraçar a amiga de infância. Queria admirar o silêncio, sentar num canto e sentir o vento. Queria dormir só ao meio-dia, virar um shot de tequila, arrumar a mochila e, então, partir.

Queria dançar de pés descalços, queria conhecer uma nova banda, fumar a madrugada inteira na varanda. Queria encher a casa, encher a cara, esquecer o rumo, perder o prumo. Mas só vou dormir, porque vendi minha alma.

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Diálogos da vida III.



- Sou tipo Simone de Beauvoir e Frida Kahlo.


- Inteligente? Talentosa?


- Biscate.




segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

E, então, esvaiu-se...



Entre um cigarro e outro, observando a fumaça esvair-se no ar, me peguei em uma busca, agora incessante, na minha mente para descobrir o que mudou, o que fez com que os olhos dele tenham parado de brilhar e o coração deixado de bater freneticamente - a ponto de fazer com que o cérebro sequer consiga elaborar as palavras certas a serem ditas. O que fez aquelas mãos não suarem mais ao me encontrar?

Como quando uma pessoa muito importante morre e a gente tem a sensação de que o planeta perdeu muito, o término de um amor tão grande deve ser lamentado. Morreu um sentimento que podia mover montanhas, mudar o mundo, embelezar a vida. Porque o amor pode, quando saudável. Entretanto, depois adoece e definha até a morte. Vai embora sem despedida, deixando o vazio.

Reconheço que dá sinais. Os sintomas da doença aparecem, mas a gente nota tarde demais. "Como eu não percebi?" perguntamos desesperados, rememorando todos os fatos passados. A verdade é que não quisemos ver.

Penso que esse exercício de puxar as imagens da mente não é seguro, pois a memória sabota, enfeita as lembranças. Quanto mais distantes, mais belas parecem.

Para compreender porque não me ama mais, preciso saber as razões pelas quais me amou. E perceber em que mudei. Que valores perdi, que características se foram, o que o tempo estragou?

Porém, a mudança pode ter sido nele. E uma pessoa não muda sem transformar também seus sentimentos. Inclusive, porque não é o ser amado que tem capacidade de gerar o sentimento, e sim o contrário. Quem sente amor, pode sentir pelo que for.

Talvez tenha sido amada por alguém inseguro, imaturo, de futuro incerto, com necessidade de liberdade, mas que agora cresceu. Tornei-me pó varrido pelo amadurecimento?

Não seria mais fácil questionar diretamente a ele, em vez de ficar divagando sobre o que jamais saberei de fato? Não o farei. Não (somente) por medo de ouvir a resposta, mas sim porque, certamente, ele temeria dizer a verdade.